domingo, 15 de setembro de 2013

A Cidade que Edna não viu | Posso Contar-lhe | 5 de X

Confesso que apesar de me sentir tão imprópria e inconveniente de estar pegando carona com um homem tão distinto eu descansei, por um momento tive a sensação de estar indo para algum lugar. Tal sensação durou os segundos que respirei fundo fechando os olhos e abrindo-os na direção do céu, até que abaixei a cabeça junto com o descer da carroça de uma pequena pedra que deu o primeiro solavanco. Olhei para a cidade. A sensação ainda estava lá, mas tinha baixado, permanecendo como uma música de fundo bem fraquinha. Ao ver a cidade, cruzei as pernas esticadas. Logo descruzei e as juntei mais próximas do corpo, mas sem que o joelho passasse do limite horizontal da carroça. Cruzei os braços como quem sente frio.
Vi um homem comemorando a colheita que tivera, disse ter colhido o dobro da estação passada e que brindaria dando comida de graça aos amigos. Serviu vinho e pão em fartura para os pratos que já estavam na mesa. Homens mirrados carregavam as cestas de pães. Eles serviam da direita para a esquerda. Uma miniatura dos mirrados se soltou da perna de um dos carregadores e abaixado, protegendo-se em uma sombra, caminhou em direção à mesa.  Ergueu o braço e foi apalpando a mesa com os dedinhos. Um menino, provavelmente da mesma idade, mas com o triplo do tamanho surpreendeu-se com aqueles dedinhos. Pegou um garfo prateado com a pesada mão e quando o tateador de mesa chegou ao pão impactou-lhe os pobres dedinhos tendo como repentina resposta um urro. Alguém gritou que espantassem a miniatura dos mirrados tendo reação contrária de alguns carregadores e a confusão se estendeu.
No exaltar dos ânimos um homem que estava à mesa soltou a mão de uma mulher que logo após foi empurrada no meio da confusão. O homem correu com a mão no bolso para a casa da esquerda onde havia outra mulher encostada na parede. A mulher sem camisa usava apenas uma saia. O homem tirou a mão do bolso e a estendeu para ela em um gesto de cumprimento, a dona olhou bem para a mão antes de cumprimentar. Após o cumprimento ele inclinou o corpo passando a mão por detrás das costas dela e dobrando o braço até chegar perto da própria cintura, a ergueu e levou para dentro da casa.
Na janela voltada para a carroça vi um braço peludo empurrando um menino pra fora da casa. Após empurrar o menino que segurava uma bermuda, provavelmente a própria, jogou algumas joias e um pequeno saco. Na porta dos fundos vi um homem saindo vestindo um paletó, também tinha braços peludos. Beijou o rosto de uma mulher que também usava apenas uma saia. A mulher constrangida virou o rosto para o lado.
Mais adiante havia um grupo de meninos. Eles riam e riam sem parar. Gargalhavam. Deviam ter onze ou doze anos. Uns tinham cigarros, outros vestiam apenas uma bermuda e pareciam mais tímidos. Ainda tinha aqueles que compartilhavam do líquido da única garrafa que possuíam. Realmente estavam se divertindo como um grupo de amigos chutando uma bola, mas chutavam um pequeno rapaz e apagavam o cigarro em um gato.

Já perto do fim da cidade vi o homem de barba bem aparada e óculos redondo. Ele comprimia o braço com uma das mãos, mas elevou a mão para sinalizar à mim um sinal de despedida. Com um leve e feliz sorriso voltou a mão ao ferimento do braço. Pegou parte de uma garrafa melada de vermelho no chão da cidade e a colocou na lixeira deixando uma parte da garrafa para trás, não sei o motivo, mas deixou.

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Um Inadequado | Posso Contar-lhe | 4 de X

Entrei numa cidadezinha a fim de me alimentar e comprar mais mantimentos para a viagem. Enquanto eu comprava um caldo de feijão preto com ervas amargas no coreto da praça tinha um senhor alto e forte. A figura me chamou muita atenção e acabei perguntando para quem me vendera o caldo quem era o tal senhor tão diferente dos outros e que beirava o inadequado.
— Quem é aquele senhor no coreto da praça?
—O tão diferente dos outros que beira o inadequado?
Pelo visto eu não estava com a percepção defasada, mas o ar de desdém do vendedor de cabelos oleosos e rosto sujo de carvão me pareceu ressoar a fama do Homem Inadequado.
—Sim.
— Metido a bom homem acha que pode nos dizer o que fazer ou não. Fanfarrão.
O Vendedor logo foi interrompido por um senhor ao lado de aparência muito mais acolhedora. Barba bem aparada e um óculos redondo. Tinha acabado de sentar ao meu lado e bebia algo que tinha trago com si.
—Deixes de ser faccioso, bem sabes a razão de não teres um fio se quer de afeição por ele, és um torpe, ages como se lhe tivesse feito algum mal.
—Fan-far-rão! Ele não manda em mim. – fez birra o vendedor.
—Que seja! Admitas subserviência à sua incapacidade. Menina, o tal homem inadequado é exatamente o que estas a ver, impróprio, não parece ser daqui nem de lugar algum. Mas então, diga-me o motivo de nossa cidade receber tão bela moça.
—Motivo procuro eu. Sou viajante e parei para comer, é o que tenho a dizer.
— Viajante? Não percas tempo, sigas atrás do Homem Inadequado. Ele é um bom companheiro de viagens e irá proteger-te. Se fores das minhas gostarás dele. Ele é o professor do Rei, é por isso que se desagradam dele. O rei é íntegro de mensagem íntegra, enquanto esse povo... Enfim, arruma-te de pressa.
—Mas aquele homem é...
—Menina, se tu soubesses em que lugar estás não terias parado para comer. Corra antes que o homem deixe está terra, eu te olharei daqui caso algo te aconteça.
Apressei-me em ir sem olhar para os lados, se de fato eu não deveria parar a fim de comer já tendo parado preferia nem pensar nos motivos. As pedras eram tão irregulares que faziam torcer o pé o tempo todo. Quando estava bem perto fui diminuindo a velocidade para pelo menos aparentar menina direita tão alinhada quanto, vã tentativa, claro. O homem tinha cabelos extremamente bem penteados, eram grisalhos. Roupa impecável, formal, elegantíssima. Sapatos limpos o que era incrível para uma cidade tão suja.
—Oi. -disse eu muito timidamente.
—Huum. –respondeu ele suscintamente.
—É que...
Ele estendeu a mão, como se fosse beijar a minha e me encaminhou para a carroça.

— Vamos antes que fique tarde -disse ele.

domingo, 16 de junho de 2013

Ao amigo

“O zelo que tenho por vocês é um zelo que vem de Deus. Eu os prometi a um único marido, Cristo, querendo apresentá-los a ele como uma virgem pura” (2 Coríntios 11: 2).
Grande é o momento em que nos percebemos como propriedade de Cristo. Feliz é o momento em que nos percebemos parte daqueles que o Pai deu a Cristo.
Seremos breves em palavras. O que temos a dizer é pouco, mas forte, pois nos alegra todos os dias.
Primeiramente, pense no que seja reconhecer a Cristo como precioso, como aquele que detém em si toda a plenitude.
Após isso, pense no que seja entender o Apóstolo Paulo quando ele diz: “Ó profundidade das riquezas, tanto da sabedoria, como da ciência de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis, os seus caminhos!”.
Existem pastores que atenderam a um chamado; mas os pastores a que nos referimos atenderam não àquele chamado que vem de si mesmos, dizendo que são capazes de atrair multidões com sua eloquência ou por serem legais demais, descolados demais, “modernos” demais, em resumo, cheios de si em demasia.
Existem pastores que entenderam que o seu ministério é o de falar a todos sobre o Pai que têm. Falar sobre aquele que se fez Pai por misericórdia e amor. São estes homens, gritantes não pela altura da voz, mas pela força da mensagem que carregam, os que têm encontrado seus irmãos em Cristo e feito com que os seus irmãos encontrem mais a Cristo. Falamos de pastores que têm dedicado sua vida para que o amor entre os irmãos e a Cristo cresça em conhecimento e percepção.
Por fim, pense no que seja encontrar um pastor assim.
Feliz aniversário, Rev. Giovanni Zardini! (Cá entre nós: nosso pastor é mais legal que os ditos “legais”. Vivam com isso! “Deal with it!”).



                                                                                              Ruy Abdalla e Freire Moreno

domingo, 9 de junho de 2013

Jamais efêmera 07/06/13

                Anápolis GO, 7 de junho de 2013.
                Há um tempo procurava motivos para escrever cartas¹.  Motivos dos mais variados tipos e mães. Estão entre eles os que encontro e os que invento. Contudo uma coisa é certa, há de se ter os olhos de um escoteiro, sempre alertas, para deparar com os tais motivadores da minha prosa.
                Entretanto por qual razão se esperará o ensejo para escrever? Parece-me tão improdutivo e efêmero o exercício da escrita. Das diversas definições que já ouvi sobre a arte a única que me abraçou os olhos foi que arte não se defini, se expressa. Se expressa, pois sou ser humano e não consigo fazer de forma diferente.
                Acontece que nas minhas andanças tenho sempre me surpreendido e quero lhe relatar do que tenho encontrado, mas prometa-me fazer silêncio para não assustar, devemos ter extremo cuidado com o que encontrei.
                Entre as mais notáveis exuberâncias que já vi encontrei simplicidade. Sabe pessoas que puramente são? Não é necessário que se fale ou que se propague, elas são. E o que elas são? Não insista, nunca conseguirei dizer na totalidade, alguns podem experimentar, é o que posso dizer.
                Encontrei um belo sorriso. Se o caro leitor arrebatou da imaginação o grande sorriso recomendado pelos melhores dentistas sinto em informar, mas o amigo não sabe o que é um belo sorriso. Outra vez, me pego sem palavras, mas o desafio a conseguir não responder o belo sorriso que falo com outro. Se eu perder a aposta receitarei menos amargura nessa vida e mais sensibilidade.
              
                Antes de continuar me deixe desabafar. Que texto difícil, seria necessário inventar palavras para identificar por nome as características do que quero dizer.

                Encontrei alegria. Não encontrei alegria no ser, ou melhor, não só no ser, mas nas pessoas que também se depararam com a motivação da minha prosa. É como boa notícia se espalhando na cidade. Não falo de notícias que circulam na Internet, mas daquelas que vemos nos filmes, das que correm de cavalo em cavalo sendo possível assim ver a alegria do outro ao receber tal notícia.
                Licença ao bom homem que encontrou muito mais do que todos os passageiros dessa terra, mas vou ter que dizer, percebi boa esposa também. Não sou a pessoa para falar sobre, mas não tenho culpa, tal qualidade simplesmente salta de tal forma que é impossível não notar. E que seja exemplo, pois é isso que deve ser.
                Encontrei coerência. Firmeza no que se fala e vive. Solidez. O que pode parecer ao amigo de caminhada, o caro leitor, que não a quem consiga defender opinião contrária por conta da solidez, nada obstante digo que tal firmeza na verdade produz segurança e sombra.
                Encontrei uma porção de virtudes, incontáveis. Uma fonte delas. Descobri mais uma vítima para a minha prosa, daquela que não precisa ter os olhos escoteiros para perceber, contudo é agradável e de inteligente postura ser cada vez mais atento a fim de perceber mais.
Então o que me volta à mente é a pergunta: “entretanto por qual razão se esperará o ensejo para escrever? Parece-me tão improdutivo e efêmero o exercício de escrever.” Das cartas que tenho escrito as endereçadas a pessoas que não sejam eu mesma são as que mais têm trazido alegria para mim. No mais eu não produzo nada, só constato e uma irmã em Cristo, tão identificável pela semelhança com Ele, jamais será efêmera.
                Feliz Aniversário, Jéssica De Paula Zardini.

segunda-feira, 3 de junho de 2013

A Bela Mulher e o Débito | Posso Contar-lhe | 3 de X

Enquanto estou eu a procurar motivos para fitar a tal vida, afinal de contas para que eu ei de esforçar-me a encontrar a dita cuja sem ter motivos? Eis que encontro uma bela mulher.
Padrão grego define a postura da Bela Mulher. Usava um coque, não do tipo Dona Amélia – nada contra a senhora, Dona Amélia, inclusive buscarei os nhoques de melão ao chocolate ainda hoje - o coque era algo funcional para não atrapalhar os movimentos, assim manda o psicológico. A Bela Mulher de cabelos escuros e liso, muito bem vestida de terno, saia e uma charmosa gravata discursava para um grupo de pessoas. Sua voz era firme e agradável, ela poderia ganhar dinheiro só por falar se quisesse. É bem verdade que desconfio das falas de pessoas competentes demais, contudo atraída pelo cansaço e por algum tipo de interesse resolvi parar e ouvir.


Dedica-se tempo e energias em grandes feitos para ter o relevante tatuado no próprio nome. Nome esse que se vai e permanece apenas para quem ficou, mas perde-se o valor enquanto identidade, se é que alguma identidade existe.
Não é a própria identidade efêmera? Dedica-se tempo e energias em grandes feitos para ter o que acredita ser significativo tatuado no cerne do ser, e quando assim feito descobre que não se sabe nem onde está a ponta do nariz.
Tão senhora de mim eu fui, prossegui para então descobrir que o mim era folha ao vento. Instável, não se encontra, preso na cadeia do corpo, solto na das ideias. Solto não é liberdade é paradoxo da escolha, quanto mais opções mais angústia, mais probabilidade de erro, mais energia e tempo.
Se mais energia e tempo, então me dei novamente em sacrilégio. Muitos diriam que isso é falta de força de vontade, mas poucos ousariam dizer isso para mim. Levantar cedo e estar pronta para o trabalho, não qualquer trabalho, mas aquele do qual dedico a maestria do conhecimento, da perspectiva e da atitude. Arquiteta-se todo o planejamento, executa-o e o sucesso é alcançado com louvor. No outro dia acorda-se cedo novamente mantendo a rotina até chegar ao sábado que serve para repor os minutos que faltaram nos outros dias.
Irônico dizer que vou repor algo ao sábado, é que o débito com a vida é tamanho que eu jamais conseguiria quitar. Na verdade eu estaria em débito com a vida, pois todo o meu ganho é perda. Não somente uma perda em si, mas comparada ao grande ganho. O ganho é o conhecer daquele que fala sobre as coisas que permanecem, e ele fala com autoridade, pois sabe o que diz.
Outrora eu, criatura, falava de coisas criadas e para elas vivia, ainda falo delas, mas não somente delas. Falo como quem tem identidade, pois quem a disse primeiro tem a autoridade.


Daí em diante parei de ouvir, mas não por não gostar, mas esse trecho me fitou. Quem teria autoridade para dizer o que o outro é? Só conheço pessoas sem conhecimento de si, alguém que diga o que o outro é e com autoridade no mínimo sabe muito sobre si.

domingo, 26 de maio de 2013

Só sei dos meus bombons | Posso Contar-lhe | 2 de X

                Antes da introdução

                A vida é bela não é? Um sorriso refletido na superfície lisa de um bombom e você não o vê, mas eu sim. Ah, tédio! Fico nessa de lá e cá e de cá mais pra cá, nada muda. O bombom vai perdendo o seu gosto, você não acha? Há de se procurar bombons mais refinados. Deixe eu contar mais sobre lá.
                Do lado de lá a vista é bonita, é sim. Estou bem estabilizada, veja. Quantos sorrisos, roupas elegantes, amigos e a vida segue. Não estou inventando, é fato. Muitos teriam inveja e não desconfiança. Que bombons não trazem a felicidade todos sabem, não seja ridículo, não subestime a minha inteligência a tal ponto. E sim, eu sou magra de ruim. Mas continuando, não jogue pra cima de mim esse discursinho velho. O fato é, o que traz a felicidade? Diminuir o valor do meu chocolate certamente não, na verdade talvez sim, cada um com o seu conceito, mas vamos mais pra cá.
                Sabe o que é? Tenho vontade de viver um pouquinho mais. Sabe qual das duas formas de Schonnpenhauer que o desejo resolveu me humilhar? Sinceramente pouco me importa, mas ele humilhou cheio de ceninhas. Todo dia sou eu, todo dia é um Carpe Diem, e daí? É no lado de cá que eu termino. Olhando pra mim e vendo mãos vazias.
Viver intensamente? Viver intensamente o que? Só se vive o que é vida. E o que é vida se há morte? Deve estar aqui em algum lugar escondido, digo a vida, pois a morte está em qualquer lugar. Talvez entre os meus papéis e anotações. Nas gavetas? Onde foi que eu parei e a perdi? Eu já a tive ou fingi correr atrás de algo?
Ventania venta lá fora. Foi minha companheira constrangedora, fingi não a conhecer, mas no final é ela que sopra minhas anotações e cabelos. Tem vida em algum lugar. Sabe aquele negócio de enquanto você estiver se perguntando se você está louco é por não estar? É mais ou menos isso, enquanto eu me perguntar onde está a senhorita existência talvez ela esteja. Pouco importa, mal disfarça, mas sei onde estão meus bombons.

domingo, 19 de maio de 2013

Introdução | Posso Contar-lhe | 1 de X

                Edna. Negra, cabelos negros, enrolados, beirando o crespo. Edna conheceu um homem, por favor, não misture suas necessidades e afetos aos de Edna, poupe-nos. Homem, imaginário coletivo: barba, cabelos longos, mas de fato, ocorrência histórica, na vida de Edna.
                O Homem desperta, mais que qualquer outro, mas o que? Atenção. Atenção existencial, existência atenta! Alerta, sempre alerta! O que ele vai falar?
                Coletivo imaginário: o homem fala com uma voz que voa, tem um olhar de paisagem e um sorriso comercial. Mexe a cabeça repentinamente como um péssimo ator contrafazendo entusiasmo, convencendo figurantes sorteados com um discurso romântico, a vida é bela e existe um pote de ouro no final do arco-íris.
                O fato, o que ele vai falar?